quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Heider Costa: Há o que se comemorar no Dia da Consciência Negra?

No Dia da Consciência Negra, este 20 de Novembro, eis o artigo do Heider Alberto,  um jovem compa sindicalista bancário, refletindo sobre os avanços e o muito que falta avançar na luta contra o racismo no Brasil. Na categoria bancária, o 2º Censo da Diversidade aponta que pouco de 24% da categoria é constiuída por negros. 

Num país em que metade da população é negra e a outra metade não tem igualdade de oportunidades, cotas raciais são fundamentais, portanto. Reivindicação feita este ano pela ContrafCUT, a confederação dos bancários e bancárias na admissão de bancários.

Viva a luta de Zumbi e Dandara de Palmares e da resistência negra!





Há o que se comemorar no Dia da Consciência Negra?  

                                         *Heider Alberto Costa

Quando em 20 de novembro de 1695 os bandeirantes assassinaram Zumbi,líder do Quilombo dos Palmares, acreditavam eles no fim definitivo do guerreiro e da resistência negra.

 Revendo a história do Brasil décadas após de tê-la estudado na escola, percebe-se claramente que, propositadamente, ela sempre foi muito mal contada. Mas o simples fato de hoje poder identificar Zumbi como um grande herói negro brasileiro é sinal da vitória da luta travada por ele e indica que muito já se avançou nessa questão.

Neste dia de comemoração não serão poucos os que ingenuamente gritarão: Não existe racismo, somos todos iguais!!!

 De fato há comprovação cientifica sobre a inexistência de raças diferentes na espécie humana, cientificamente só existe uma raça humana. Mas nossas relações sociais não nascem de postulados científicos. Se nossas vidas mudassem ao passo dos postulados científicos como poderíamos explicar a gigantesca presença da crença em Deus na sociedade? Já que a ciência nãocomprova a existência divina.

Portanto, para entender a essência da luta dos negros em busca de igualdade é imprescindível afastar-se da história oficial contada pelos antigos livros didáticos e dos rasos valores pautados na meritocracia que tentam nos levar a crer que há igualdade de oportunidades e de tratamento das pessoas independentemente de sua aparência física.

A história não contada nos livros mais populares omite o gigantes esforço feito pelo estado brasileiro para “branquear” a sua população, isso mesmo, o estado brasileiro investiu pesado na tentativa de “diluir” a cor do negro em seu povo e assim alcançar uma sociedade mais altiva, mais branca. O decreto Decreto nº 528, de 28 de Junho de 1890, é um dos grandes exemplos da referida política
governamental, vejamos um trecho:

Parte Primeira (texto original)

Considerando que faz-se conveniente a concessão de favores que animem a iniciativa particular e auxiliem o desenvolvimento das propriedades agricolas, facilitando-lhes a acquisição de braços, de modo, porém, que seja attendida a conveniente collocação dos immigrantes, decreta:

 CAPITULO I - DA INTRODUCÇÃO DE IMMIGRANTES

Art. 1º E' inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas.

Art. 3º A policia dos portos da Republica impedirá o desembarque de taes individuos, bem como dos mendigos e indigentes.

E como nada é por acaso, as intensas tendências de branqueamento e auto rejeição de traços ligados às origens africanas que são extremamente populares atualmente estão fortemente ligadas às teorias raciais do século dezenove. No Brasil o “Dr.” Nina Rodrigues (1862-1906), um dos fundadores
da medicina legal no país, descreve com requinte a ideologia da elite daquele século:

“Ao brasileiro mais descuidado e imprevidente não pode deixar de impressionar a possibilidade da oposição futura, que já se deixa entrever, entre uma nação branca, forte e poderosa, provavelmente de origem teutônica, que se está constituindo nos estados do Sul, donde o clima e a civilização eliminarão a Raça Negra, ou a submeterão, de um lado; e, de outro lado, os estados do Norte, mestiços, vegetando na turbulência estéril de uma inteligência viva e pronta, mas associada à mais decidida inércia e indolência, ao desânimo e por vezes à subserviência, e assim, ameaçados de se converterem em pasto submisso de todas as explorações de régulos e pequenos ditadores.”
(RODRIGUES, 1933)

Dessa forma, não haveria como se esperar que uma sociedade fundamentada na exploração desumana do povo negro, no genocídio do povo indígena, em ideologias altamente preconceituosas e políticas de estado que financiaram o sucesso dos brancos e ignoraram totalmente a existência dos negros estivesse hoje impregnada de um sentimento de tolerância e de respeito às diferenças étnico-raciais.

E de fato a imensa maioria da sociedade não se encontra assim, pois o cotidiano do negro ainda não está próximo a uma condição de equidade com o do branco, é uma situação recorrente na vida dos negros, demonstrada claramente nos indicadores sociais da população negra.

Mas há que se considerar os avanços já alcançados, como por exemplo os dez anos de políticas afirmativas, a sanção da Lei 10.639/03 que institui a obrigatoriedade da inclusão da História da África e da Cultura Afrobrasileira nos currículos escolares, a decisão unanime do STF sobre a legalidade e legitimidade das ações afirmativas e cotas para negros nas universidades públicas,  o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010),

A lei 12.711/2012, que prevê ingresso de negros, índios e pobres nas universidades públicas federais e a lei nº 12.990/2014 que reserva 20% das vagas nos concursos públicos da União para candidatos negros.

Essas leis expressam um conjunto de políticas afirmativas, que possuem com reavaliações periódicas, implantadas recentemente pelo estado brasileiro como forma de reparar erros históricos e de garantir condições compatíveis para o acesso da população negra à educação superior e a postos mais elevados no mercado de trabalho, para reduzir situações como da categoria bancária em que somente 24% é negro ou pardo, conforme indica o  2º Censo da Diversidade da categoria de 2014. Sem deixar de avaliar o mérito, mas reconhecendo que em alguns âmbitos não se pode tratar com igualdade pessoas que tiveram condições de cidadania extremamente desiguais.

E como a luta e a resistência são celebradas neste 20 de Novembro, há muito a comemorar nesse dia, mesmo tendo um longo caminho a percorrer e muitas batalhas a travar!

* Heider Alberto Costa – Dirigente do Sindicato dos Bancários do Pará, empregado da Caixa Econômica Federal.

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