sábado, 3 de setembro de 2011

Marcha das Vadias. Entre a escadinha e a mangueira da praça, o domingo tece teias


Domingo passado, 28 de agosto, houve a Marcha das Vadias em Belém. Bonita, vibrante marcha denunciadora da violência e do preconceito contra a mulher.

Meu eterno companheiro Raimundo Sodré escreveu um belo tetxo sobre a Marcha das Vadias, a cultura e o descaso. Compartilho o escrito acá, sem nem pedir licença. Ah! e Sodra é eterno companheiro na arte de compartilhar os muitos pães da vida:



O domingo tece teias...

No domingo passado, ainda cedo, ali pelas 9 horas, a escadinha das Docas animou-se com a concentração da Marcha das Vadias. Atravessei a baía no primeiro barco para participar do evento. Foi bom estar no comecinho da mobilização porque pude mensurar a quantidade de energia empregada na realização da marcha e constatar, com um tanto de encanto, o nível de compromisso e apego das pessoas envolvidas numa causa melindrosa e, até certo ponto, estigmatizada.

Chegar um pouquinho antes da hora me possibilitou também a assimilação, em princípio não muito fácil, do nome dado à caminhada: “Marcha das Vadias”E lá pelas dez da manhã quando o sol já fulgurava no céu, a dura realidade e a ‘luta das mulheres no mundo’ para combatê-la foram se desenhando à jusante da Presidente Vargas: Aquilo não era sobre sexo, era sobre violência, esclarecia o panfleto distribuído na marcha. Um grito. Um não. À violência moral, sexual, social. Um não. Aos patrulhamentos de condutas e hábitos, ao controle dos amores. Um não. Ao vilipêndio de nomes e à coisificação de corpos. Este foi o recado propagado pelas Vadias. E ali na concentração, me resignei e assumi a mais elementar das constatações. Nosostros, homens sem sentido, tino ou verve (e, ainda, uma boa parte da sociedade) sequer somos dignos de desatar os cordões semânticos das sandálias que calçam o termo ‘vadia’.


Não posso negar. Minha mãe, se viva fosse, jamais deixaria as minhas irmãs participarem de um ato com este nome. A tradução do real sentido daquele título, penso eu, foi o primeiro grande desafio do movimento. Mas por ali, ouvindo um discurso, uma entrevista, uma declaração. Em conversas com amigas que faziam parte da organização, fui tomando pé da história desta manifestação e dos objetivos da passeata aqui em Belém. Como se dizia antigamente: se inteirando das coisas, o coração se abre e a mente clareia (e, sabe, tenho certeza que mamãe, se viva fosse, mudaria de opinião sobre a participação das meninas, ante alguns sagrados e belos significados de ‘vadia’).


Fiquei por ali, acompanhei um pouquinho a caminhada e as palavras de ordem, excitei o meu eu-lírico feminino, me penitenciei de alguns pequenos pecados... mas tive que me aviar. Havia um convite do Sancari para vê-los tocar na Praça da República. E eu tinha que prestigiar. Afinal, o grupo é da Pedreira, o bairro do Samba, do amor e do Carimbó.

Quando cheguei na praça, a moçada do Sancari já estava arrebentando a boca do balão. Tudo convergia para o deleite e para o prazer, também. Aqueles elementos fundamentais para a preservação da espécie humana estavam presentes. O Lundu, o chão de terra para bater o pé, o ar da praça para propagar as palmas, o fulgor do sol das 11 horas, a aguinha a 1 Real (e a sombra da mangueira, não computada pelos gregos, mas fundamental para proteger dos raios uvê), sorrisos de conquista e ritmos de corpos demarcando território (porque o homem é o único animal que ri e a dança foi umas das primeiras formas eficientes de comunicação). O Sancari provou que o Carimbó não morreu. Tocaram com propriedade e zelo. E de tudo. Fizeram releituras, passearam pelo tradicional e pelo autoral. Espetacular a apresentação dos meus vizinhos pedreirenses.

O domingo tece teias...e entre o discurso de conscientização das Vadias no entorno das Docas e o frenesi do Carimbó embaixo da mangueira na praça, permanece a desolação das balaústras seculares destruídas, ali naquela escada que dá acesso à Presidente Vargas. Lamentável.

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